Fernando Carvalhaes era músico, cantor, medievalista e professor de canto. Formou um grupo dedicado à música medieval, o “Talea”. A primeira vez que vi o Fernando cantar foi numa apresentação do “Talea”, lá por 93 ou 94... em Niterói. Lembro bem a forma genial como ele explorava a oralidade da música de trouveres e troubaours, mesclando declamação em português com o canto em provençal ou francês antigo. Na época eu já estava bastante envolvido com a música antiga mas aquilo era bem diferente do que eu estava acostumado a ver, não havia aquela pretensão, que hoje eu percebo ser absurda, de fazer uma música “autêntica”, igualzinho ao que tinham feito a setecentos anos atrás. O som do Fernando era contemporâneo e completamente informado sobre as origens da música que eles estavam interpretando.
Quando vim morar em Campinas, em 97, resolvi que era a hora de estudar canto com ele. Fernando Carvalhaes me mostrou como ninguém que cantar é um ato que envolve todo o corpo. Canta-se de forma integral, percebe-se cada movimento involuntário que dispersa a energia, busca-se ficar só com os movimentos necessários ao canto. O envolvimento dele com a técnica de Alexander era muito grande e parte fundamental da sua forma de ver o canto. Era como se precisássemos apenas aprender a “não fazer” todas os movimentos desnecessários que fazemos desde sempre. Depois era só cantar. Cantar de forma natural. É incrível pensar que um cantor fantástico como ele foi, e uma pessoa com toda esta percepção corporal sofresse a anos de uma doença rara que o enfraquecia e limitava bastante os seus movimentos.
Depois de um período de quase dois anos de um aprendizado intenso, apesar de não ser freqüente – as aulas eram a cada duas ou três semanas – precisei interrompê-las por questões pessoais. Ainda assim a informação daqueles quase dois anos continuou produzindo os seus efeitos contínuos por muito tempo. A maneira como encaro o canto e qualquer outra atividade corporal, seja andar de bicicleta ou lavar a louça, vem diretamente das conversas e aulas as vezes enigmáticas do Fernando.
Hoje, com a notícia de sua morte, não fiquei triste. Mas senti vontade de lembrar um pouco desse cara fantástico, que lembra bastante o Taliesin, o Merlin da forma como este personagem foi retratado em “As brumas de Avalon”. Alguém dotado de uma grande capacidade, mas ao mesmo tempo preso a uma grande limitação física, para que sempre se lembrasse de o seu dom não era frívolo ou leviano, era mágico. E pensando bem mesmo, o Fernando foi mesmo um Mago.
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4 comentários:
bacana o texto! fernando era o meu tio dé.
prezado Fabio, estava procurando o Fernando Carvalhaes no google e dei no seu blog, com o relato da morte dele - notícia triste tão tardiamente recebida.
Cecilia Saint-Pierre http://facebook.com/ceciliastpierre
Hoje me lembrei do Fernando, e fiz uma busca, para ler seu lindo relato sobre sua experiencia com ele, que me lembrou as mihas aulas de canto que fiz com ele em 1991-92. Ele mudou tudo em minha maneira de "estar presente no momento e no corpo" ao cantar, e abriu canais que ninguem abriu. Fico triste ao saber, tardiamente, sobre sua morte, mas o que fica: todos nos que passamos pelo seu piano e ouvimos as sabias palavras de sua experiencia.
Hoje me bateu uma vontade de reencontrar o Fernando e acabei encontrando seu blog. Tenho ótimas lembranças das aulas de técnica de canto medieval. Procurei no YouTube, mas, parece que nunca postaram nada. Obrigado pelo texto. Abraço.
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