quinta-feira, agosto 24, 2006

Fernando Carvalhaes

Fernando Carvalhaes era músico, cantor, medievalista e professor de canto. Formou um grupo dedicado à música medieval, o “Talea”. A primeira vez que vi o Fernando cantar foi numa apresentação do “Talea”, lá por 93 ou 94... em Niterói. Lembro bem a forma genial como ele explorava a oralidade da música de trouveres e troubaours, mesclando declamação em português com o canto em provençal ou francês antigo. Na época eu já estava bastante envolvido com a música antiga mas aquilo era bem diferente do que eu estava acostumado a ver, não havia aquela pretensão, que hoje eu percebo ser absurda, de fazer uma música “autêntica”, igualzinho ao que tinham feito a setecentos anos atrás. O som do Fernando era contemporâneo e completamente informado sobre as origens da música que eles estavam interpretando.

Quando vim morar em Campinas, em 97, resolvi que era a hora de estudar canto com ele. Fernando Carvalhaes me mostrou como ninguém que cantar é um ato que envolve todo o corpo. Canta-se de forma integral, percebe-se cada movimento involuntário que dispersa a energia, busca-se ficar só com os movimentos necessários ao canto. O envolvimento dele com a técnica de Alexander era muito grande e parte fundamental da sua forma de ver o canto. Era como se precisássemos apenas aprender a “não fazer” todas os movimentos desnecessários que fazemos desde sempre. Depois era só cantar. Cantar de forma natural. É incrível pensar que um cantor fantástico como ele foi, e uma pessoa com toda esta percepção corporal sofresse a anos de uma doença rara que o enfraquecia e limitava bastante os seus movimentos.

Depois de um período de quase dois anos de um aprendizado intenso, apesar de não ser freqüente – as aulas eram a cada duas ou três semanas – precisei interrompê-las por questões pessoais. Ainda assim a informação daqueles quase dois anos continuou produzindo os seus efeitos contínuos por muito tempo. A maneira como encaro o canto e qualquer outra atividade corporal, seja andar de bicicleta ou lavar a louça, vem diretamente das conversas e aulas as vezes enigmáticas do Fernando.

Hoje, com a notícia de sua morte, não fiquei triste. Mas senti vontade de lembrar um pouco desse cara fantástico, que lembra bastante o Taliesin, o Merlin da forma como este personagem foi retratado em “As brumas de Avalon”. Alguém dotado de uma grande capacidade, mas ao mesmo tempo preso a uma grande limitação física, para que sempre se lembrasse de o seu dom não era frívolo ou leviano, era mágico. E pensando bem mesmo, o Fernando foi mesmo um Mago.

quinta-feira, agosto 17, 2006

Schostakovitch nº14

Na sinfonia nº14 o tema é a morte.
Na verdade a obra é mais um ciclo de canções de câmara do uma sinfonia propriamente dita. A instrumentação é ecnômica e brilhante: 10 violinos (I e II) , 4 violas, 3 cellos (partes individuais) e dois contrabaixos (também), acompanhados de percussões e celesta. A sonoridade extraída deste conjunto de câmara é simplesmente surpreendente.
O clima das 10 canções sobre poemas de Federico Garcia Lorca, Gullaume Apolinaire e Rainer Maria Rilke, é extremamente pesado. São as diversas faces da morte. A morte trágica e poética de Malagueña “la muerte entra e sale de la taberna”, fantástica como em Lorelay que é amaldiçoada pela beleza de seus olhos e se atira de um penhasco, ou a terrível morte daqueles que permanecem encarcerados, mortos-vivos.
Apesar desse clima pessimista, a audição desta peça é algo transcedental a instrumentação exprime com perfeição estas ideias.
Aqui a OSESP mostrou-se a altura de se afirmar como uma das boas orquestras do planeta. Poucas são as orquestra que podem passar incólumes por uma partitura como esta. Sergei Leiferkus mostrou mais uma vex porque é considerado o grande interprete da obra de Schostakovitch e Tatiana Pavlovskaya foi sobre humana, parecia ela própria uma criatura fantástica saída dos poemas de Lorca o Appolinaire.

terça-feira, agosto 08, 2006

O espetáculo do desenvolvimento!

Podemos estar crescendo bem abaixo da média mundial, mas agora já temos terrorismo no Brasil! Afinal isso é coisa de Estados Unidos, Inglaterra, Espanha e Israel. Finalmente Lula nos levará para o primeiro Mundo!

sábado, agosto 05, 2006

Schostakovitch nº13

A 13ª e a 14ª de Shostakovitch, foram executadas nas últimas semanas pela OSESP na Sala São Paulo. Ambas tiveram o baixo russo Sergei Leiferkus como solista, primeiro com o Coro masculino e depois com a soprano, também russa, Tatiana Pavlovskaya.
Para mim foi a oportunidade de passar a encarar a obra de Schostakovistch de uma forma diametralmente oposta a que eu vinha fazendo até então. Sempre vi este compositor russo como alguem amargurado, oprimido pelo controle exercido pelo regime soviético, mas ao mesmo tempo, conivente. Sua obra, por isso mesmo, soa um tanto ermética e destila uma por esconder o que realmente quer dizer. Com estas duas sinfonias pude confirmar esta opinião. Mas o que eu não esperava, e isso foi para mim uma revelação, era poder vislumbrar o mundo escondido por trás desta capa hermética.
A sinfônia 13, Babi Yar, parte de um episódio histórico - o massacre de judeus na Ucrânia durante a Segunda Guerra por tropas SS, para falar do anti-semitismo de estado praticado pelo estado soviético. Schostakovitch faz isto de forma pungente no primeiro movimento, onde o coro masculino ora entoa um canto fúnebre que lembra os mortos no massacre, ora se transforma nos cossacos bêbados que matam crianças e violentam mulheres indefesas, nos pogroms do tempo da Rússia imperial. Em seguida, como num autêntico Squerzo, o tema é o Humor. Você pode fazer o que quizer, diz o poeta, mas não conseguirá matar o humor. Ele é a arma dos fracos. Uma clara referência a opressão do regime. Os dois movimentos seguintes retomam a atmosfera lúgubre do início. O sofrimento das mulheres que enfrentam as filas diariamente em busca da sobrevivência e o medo dos homens que os devora e paralisa. Estes dois movimentos desembocam no tocante finale: o Carreirista. O texto fala daqueles que ousaram fazer uma carreira seguindo seus principios: Cristo, Galileu, Tolstói entre outros. Todos foram sacrificados ou ficaram loucos, mas o tempo mostrou que estavam certos. Se ao fianl estou em tão boa companhia, diz o poema, até que não é tão mal ser chamado de carreirista. Este último movimento é simplesmente sublime. O compositor evita a soilução fácil de fazer algo pomposo ou festivo. No final ele encontra alguma esperança de redenção e este sentimento é sereno, nada de júbilos frenéticos.
A sinfonia 13 consegue também soar como algo perfeitamente russo sem cair naquele nacionalismo piegas que tanto incomoda em outros compositores que procuraram criar uma música nacional. Ao mesmo tempo, é universal pelos sentimentos que evoca.